Newsletter | Pinga e Frita #3
Pinga e Frita
Minha mãe não cozinha sem uma chaleira de água quente no fogão. Às vezes a gente precisa de mais uma boca para algum preparo, mas a chaleira não sai de lá pra nada. É mais que uma mania, é técnica. Quando a água quente bate num fundo de panela bem caramelizado e faz aquele “tchiiiiiiii, é técnica. Daquelas que não tem nome francês, nem italiano muito menos americano.
Demorei a saber que o que a minha mãe faz há tanto tempo chama “pinga e frita”. Coisa de casa, das muitas casas desse Brasil, de cozinheira de forno e fogão. Aliás, eu amo essa expressão.
O pinga e frita é nosso e é cultural. Não tem frango em molho que não comece com uma bela crosta na panela, que depois é dissolvida pela água quente que cai aos poucos, pingando e fritando, enchendo de sabor os demais ingredientes do cozimento até fazer aquele prato se tornar inesquecível na nossa memória. Uma vez perguntei pra minha mãe porque tinha que “pingar” aos poucos em vez de colocar a água de uma vez. “Porque sim, na cozinha tudo tem um jeito de fazer”, ela disse.
O pinga e frita não tem pressa. E na cozinha não se há de ter mesmo. Tampouco ele pode ser cronometrado. Quem recebe sinais do tempo dele são os nossos sentidos: a visão, o olfato e até mesmo a audição. Ahhhh aquele “tchiiiiii” diz muita coisa. É a técnica da conexão. O que os gringos batizaram de “mindfulness” as nossas cozinheiras já fazem há muito tempo.
E por que resolvi escrever uma Newsletter sobre isso? Pra gente lembrar do Brasil, falar do Brasil, exercitar o Brasil e se orgulhar do Brasil. Dentro da nossa cozinha tem muito mais do que comida.
5 perguntas para... Néli Pereira
Néli é minha amiga. Mas não é por isso que ela está aqui. Néli é das bartenders mais renomadas desse Brasil e usa o copo, a coqueteleira e a bailarina pra falar desse país que é tão rico. Pra mostrar sabores e saberes que a gente muitas vezes desconhece. É novinho em folha o canal de vídeos no Youtube que ela estreou chamado “Abrasileirar”. Não só dá receitas como fala da nossa língua, da nossa cultura e, por que não, do nosso futuro.
Muitos ingredientes da cozinha vão parar nas taças dos seus drinques (já abrasileirando como ela faz). “Adoro usar as especiarias como cumaru, puxuri, baunilha do Cerrado. Amo cipó alho, que é usado para temperar tucupi, no drinque. E o próprio tucupi. E goiabada? E dendê? Afe, tanta coisa gostosa”.
Como estamos cá falando de pinga e frita, achei que fazia-se necessário chamá-la para falar da pinga… depois a gente frita.
1- Assim como o “pinga e frita” é uma técnica culinária brasileira, podemos dizer que a garrafada é uma técnica da coquetelaria brasileira? Aliás, existe a coquetelaria brasileira?
NP: A garrafada é o meio e a mensagem. A mensagem da garrafada é a de que se você olhar, há técnicas brasileiras de preparo de bebidas: da fermentação à destilação, ao preparo de misturas e licores. Então, sim – acredito que a garrafada é uma “técnica”, um jeito de fazer mistura de ervas, cascas e raízes maceradas em álcool que pode ser usada para preparar bebidas sejam vermutes ou amaros ou simplesmente “garrafadas”. E assim como muitas das técnicas de preparo de bebidas no mundo todo, essa também fez o cruzo da botica pro boteco, pois começou como algo medicinal – e é usado assim até hoje na medicina popular.
Existe uma coquetelaria brasileira? Existem algumas. Acredito que ainda há pouca pesquisa, pouco registro, mas começam a despontar usos de ingredientes brasileiros na coquetelaria, olhar para técnicas e modos de fazer, para bebidas típicas. Mas tudo ainda bem no comecinho. Acho que a coquetelaria ainda tem um caminho a percorrer que a gastronomia já percorreu: o de encontrar as muitas coquetelarias brasileiras disponíveis e possíveis.
2- O Brasil é um ingrediente ou uma inspiração pra você?
NP: O Brasil é um norte. Quando eu não sei o que fazer, para onde ir, quem eu sou e quem eu quero ser, eu olho para o Brasil. Seja no jornalismo, na coquetelaria, na vida. O Brasil é esse encantamento que dá razão e sentido para o que eu faço, e que me impulsiona. Eu sempre digo: na dúvida, olhe para dentro. Dentro para mim tem sempre Brasil. Ainda bem.
3- Quando as pessoas vão aprender a cozinhar, as referências e técnicas vêm da França e da Itália. Na coquetelaria não é diferente. Qual é o primeiro passo pra gente se inspirar e aprender com o que tem num pais tão imenso e tão diverso como o Brasil?
NP: Olhar pro lado. Para o que acontece na esquina da sua casa, na cozinha da casa da sua mãe, no jardim que brota sem querer na rua, no boteco, na feira, no mercado. Eu digo que o universo dos alimentos e bebidas e da hospitalidade brasileira tem mania de fazer “benchmark” em Manhattan ou na Europa. Eu digo mais Belém, mais Cariri. Menos grapefruit, mais limão cravo. Dá para começar pelo bem básico. Olhar para dentro, expandir esse olhar para o que está mais perto. Somos míopes culturais, mas tem conserto. É só treinar a vista.
4- De tudo o que você já bebeu de Brasil, o que mais te emocionou?
NP: O Brasil me emociona tanto. Mas acho que foi a primeira vez que parei num boteco que tinham as infusões todas em pinga – jurubeba, catuaba, milome, carqueja, sassafrás, butiá – aqui em São Paulo, no pátio do Pari. Pinga curtida. Ô coisa boa. Ali se abriu para mim um mundo de possibilidades, e foi onde o pontapé inicial da minha pesquisa começou.
5- Cachaça, pinga, mé ou marvada?
NP: Torresmo acompanha? Hahaha. O “mió” do mé. Eu amo todos os nomes da cachaça, na verdade. Paraty, limpa goela, danada, “daquela que matou o guarda”. O Brasil é poesia pura. E sim, purinha.
Para conhecer o canal de vídeos “ABRASILEIRAR”, da Néli Pereira, é só clicar aqui. Está a coisa mais linda.
Extra! Extra! Frango em molho da minha mãe
Uma das comidas que mais gosto da minha mãe é o frango em molho com polenta. Outro dia eu estava com ela no sítio e ela fez. Editei um reels e quem quiser sentir o gostinho é só clicar aqui.
O perfume que fica na casa é demais e você pode fazer para comer com macarrão, arroz, batata, até cuscuz de milho. Como o frango em molho da minha mãe é sempre a olho, aqui vai ser aquele #foiassim clássico. Água quente na chaleira e mãos à obra.
#foiassim:
Minha mãe tempera o frango (sobrecoxa e um pouco de peito porque eu gosto) com limão e o tempero verde dela (quem recebeu a primeira newsletter viu, quem não recebeu clique aqui). Sempre que pode, ela tempera um dia antes. Faz diferença.
Quando eu não tenho aqui o tempero verde que ela me dá, eu tempero com sal, pimenta do reino, alho amassado e limão. Bora pro fogão.
Numa panela aquecida e com óleo de milho, sele os pedaços de frango, sem mexer, para que ele caramelize. No começo pode deixar a panela tampada. Deixe criar um fundo marrom caramelo e só então mexa nos pedaços de frango, pingando um pouco de água quente se sentir que o fundo está querendo queimar.
Vire os pedaços para selar do outro lado e deixe caramelizar. Pingue água e raspe o fundo da panela com os pedaços de frango para que a crosta se solte e eles ganhem cor. Nessa hora também coloque cebola picada e tomate sem pele e sem semente picado e tampe um pouco a panela. A cebola e o tomate também trazem líquido ao preparo. Não raro ela acrescenta uma colherada de manteiga porque ela vive a base de manteiga.
Fique de olho para não deixar o fundo da panela queimar. Controle o fogo e pingue água se for necessário retardar um pouco o cozimento. Vire os pedaços de frango de vez em quando. Faça isso até ver que a carne está corada e que se formou um caldinho na panela.
Acrescente tomate pelado com o líquido da lata e tudo, misture, e deixe dar uma fervida. Acrescente água quente, o suficiente para quase cobrir os pedaços de frango, acerte o tempero de sal e pimenta do reino e deixe a panela semi tampada num fogo médio pra baixo.
De vez em quando, dê uma olhada e mexa para não grudar nem queimar no fundo. Quando o molho encorpar e o frango estiver desmanchando, é hora de desligar o fogo e comer! Ah! Minha mãe às vezes joga uma salsinha picada depois de pronto e não mistura. Só tampa a panela e deixa uns 5 minutos.
Looping do momento
Eu vejo todos os conteúdos da Camila Dutra, o tempo todo. Seus bolos são um afago na alma. Já comprei alguns cursos dela e é sempre garantia de sucesso. Adoro a estética dela e as receitas são deliciosas. Bolo de chocolate, de cenoura, red velvet, de banana... nossa, já fiz muitos. Ela explica tão bem que não tem erro, nunca. Os bolos que mais me renderam elogios dos meus sobrinhos foram receitas dela.
Mas às vezes ela posta umas mineirices e essa que eu compartilho aqui eu já fiz também. Pra quem gosta de fubá é um prato cheio!
Ela gravou a receita num IGTV super caprichado no meio da pandemia.
Mas se eu fosse você, clicaria aqui para ver esse reels que ela fez, tentando não babar. Depois, separe os ingredientes e experimente!
NOTA: Vale dizer que Camila está fazendo lives aos sábados de manhã mostrando receitas que são ótimas dicas para presentear ou vender no Natal. A de balinha de brigadeiro já aconteceu e foi uma delícia. Ainda bem que ela deixou salva no perfil dela.
Foi assim...
Eu virei a louca da farofa muito recentemente. Não era uma paixão até pouquíssimo tempo atrás, graças à minha amiga Cris Campos, com quem amo cozinhar. Percebi que gosto de farofa quando ela é úmida mas mantém a farinha crocante. Só dá pra fazer isso usando gordura. Se for pra economizar e deixar a farofa mais “fit”, melhor nem fazer. Pelo menos foi a conclusão que eu cheguei exercitando variações da receita.
Pra farofa não ficar enjoativa de manteiga - como se isso fosse possível - eu começo o refogado com azeite e depois, antes da farinha, coloco uma boa quantidade de manteiga pra derreter no refogado. Entro com a farinha, misturo bem e vou mexendo. Aí, a crocância eu busco regando azeite se necessário. Foi o melhor jeito que eu achei para não errar e ainda virar “a farofeira” da família.
No meu Instagram publiquei no ano passado uma farofa que nasceu da falta da farinha de mandioca e fez muito sucesso: abobrinha com farinha de milho. Ficou uma delícia!
Clique aqui para ver a receita.