Siri com Toddy
Enquanto escrevo essa newsletter me recupero de uma cirurgia. Eu nunca tinha feito uma e quase tudo foi novidade. A maior delas foi perceber como pensamentos dos mais variados passam pela nossa cabeça nesse período. No dia que voltei pra casa, 3 depois da internação, eu não imaginava que eu tinha tanto assunto pra “falar”, tanta gente pra “ver”, tantos lugares pra “ir”. Enquanto a anestesia saía do meu corpo, minha cabeça não parou um minuto sequer naquela primeira noite de volta à minha cama. Obviamente, tudo do jeito mais randômico possível, numa velocidade impressionante. Nada combinava com nada. Parecia aquelas saladas montadas que esteve na moda em certo momento, que você ganhava um papel com as opções e escolhia até 13 ingredientes Um lé sem cré danado. Siri com Toddy, total.
Aprendi essa expressão com uma amiga, a Ana. Que aliás, foi quem segurou na mão dos meus pais quando as notícias do centro cirúrgico demoraram a sair e dormiu comigo na minha primeira noite no hospital. Dizem que você fala absurdos quando volta, sabe Deus o que Ana escutou. Nada mais justo que essa newsletter se inspire também nela.
Quando os pensamentos minimamente começaram a se organizar, bateu a dúvida sobre que tema trazer aqui. Falar sobre o tempo, que na cozinha é tão subjetivo e ganha tantas proporções e significados quando você é obrigado a parar? Era uma opção, mas achei que seria mais coerente agora escrever de forma desordenada, sem combinação, como funcionei nos últimos dias. Siri com Toddy, total.
E não foi ruim. A gente tem mania de organizar demais a vida. Um pouco de caos faz a gente entender e aceitar melhor as condições e surpresas do presente pra se preparar e viver bem o futuro. Assim como na cozinha. Por melhor que seja o seu mise en place, algumas vezes os ingredientes aleatórios, que você pegou do nada na geladeira, podem fazer toda diferença. Nossa saladinha misturadinha que o diga.
Por isso, essa newsletter tem um pouco de tudo. E está deliciosa.
5 perguntas para... Sandro Marques
Sandro é degustador profissional de azeites formado na Itália. É ainda jurado em competições internacionais e já experimentou mais de 1.300 azeites pelo mundo. A boa notícia é que cada vez mais ele prova azeites nacionais, estamos fazendo bons exemplares por aqui. Mas ainda há muitos mistérios, mitos e dúvidas sobre esse produto que a gente tanto ama e usa de forma tão limitada. Azeite combina com coisas que não fazemos ideia! Durante a pandemia, fiz uma série de lives e a dele foi uma das mais divertidas e comentadas (pra assistir clique aqui).
Foi muito difícil fazer só 5 perguntas para o Sandro para essa coluna, mas o livro que ele lançou ano passado, “Extra Fresco – o Guia de azeites do Brasil”, tem muita informação legal. Pra saber mais, é só clicar aqui. Há ainda a opção para ebook kindle.
1- Quando você fala que é degustador profissional de azeites, qual é a pergunta que você responde com mais frequência?
SM: Antes da pergunta, recebo uma cara de espanto. “Degustador de azeites, isso existe?”. Depois que eu explico que sim, é uma profissão que acompanhou a mudança de qualidade e o crescimento da produção nas últimas três décadas, a pergunta seguinte é: “Mas você bebe mesmo o azeite?”. Essa pergunta também vem acompanhada de uma careta, porque nem todo mundo sabe como é delicioso provar um azeite de alta qualidade. Aliás, independente de usar azeite nas refeições, quando eu viajo por mais de três dias e não tenho azeite puro para provar, sinto falta. E tem a terceira pergunta frequente: “Como você foi parar nessa profissão?”. Mas aí a resposta é uma longa história que começa com meu avô português que veio para o Brasil com um tonel de azeite e termina na Itália, onde fiz uma formação profissional que dura três anos.
2- Lendo seu Guia “Extra Fresco” a gente vê que o Brasil produz bastante azeite. Já estamos consumindo esse produto nacional ou ainda estamos olhando só pro que vem de fora pela praticidade de estarem nas gôndolas do supermercado?
SM: Sim e não. A produção nacional corresponde a menos que 1% da quantidade de azeite que importamos (principalmente de Portugal). Ela acaba sendo vendida toda dentro do Brasil, para os consumidores que estão próximos das regiões produtoras ou em casas que vendem produtos de maior qualidade. Mas eu vejo que muita gente ainda desconhece o azeite brasileiro porque tem seu principal canal de compra no varejo tradicional. Para chegar às gôndolas, temos que ainda aumentar bastante a produção. Isso deve acontecer nos próximos anos, já que há muitos novos produtores entrando no mercado. A oliveira exige um investidor paciente: você planta e tem que esperar uns cinco anos para ela produzir. Enquanto isso, o melhor é procurar conhecer quem são os produtores e comprar diretamente deles. A maioria vende pela internet e entrega em qualquer lugar do Brasil.
3- Assim como os vinhos, há azeites de todos os preços. O que se leva pra casa num azeite de 200 reais que não vem quando eu compro no supermercado um por 20? E ambos podem ser usados para os mesmos fins?
SM: Assim como nos vinhos, temos que tomar cuidado com preços muito altos. Às vezes, um preço alto é apenas uma estratégia de marketing para posicionar o produto num mercado mais premium. Já provei azeites de 80 reais tão bons ou melhores que azeite de 200 reais. Em geral, um azeite que tenha uma produção cuidadosa é mais caro, porque a oliveira exige cuidados durante o ano todo e só produz uma vez por ano. Com as azeitonas colhidas na hora certa e processadas com habilidade, você tem um azeite mais aromático, mais saboroso e com maiores benefícios para a saúde. Qualquer azeite pode ser usado para refogar ou fritar, e não perde esses benefícios. Mas por uma questão econômica, é melhor usar os azeites mais simples para o preparo e os azeites mais complexos para a finalização. Em ambos os casos, você estará consumindo uma gordura de excelente qualidade para o corpo. No caso dos azeites mais complexos, além dessa gordura de qualidade, você também estará consumindo uma quantidade maior de outros compostos orgânicos (biofenois, por exemplo) presentes exclusivamente no azeite e que têm correlação com a prevenção de uma série de doenças. É uma combinação incrível criada pela Natureza: os mesmos compostos bons para a saúde são os que dão esse sabor incomparável do azeite.
4- Falando de harmonização, conta uma combinação estranha mas que com azeite fica bom?
SM: As pessoas normalmente se surpreendem com o uso de azeite em sobremesas. Neste caso, tem que ser um bom azeite e usado com parcimônia. Fica uma delícia com sobremesas à base de chocolate amargo e com sorvete de baunilha e de limão siciliano. A minha combinação estranha favorita é azeite com mel sobre um bom pão tostado (já aviso de antemão: é viciante).
5- Quais são as 3 regras de ouro – se é que são só 3 – na hora de comprar um azeite pra chamar de seu? Como escolher um azeite sem olhar somente para o preço e para a famosa acidez abaixo de 0,5%?
SM: Vamos começar enterrando esse mito de que acidez é parâmetro de qualidade relevante para a compra de azeite. A azeitona é uma fruta e o azeite pode ser comparado com o suco. Como qualquer suco, é um produto vivo, que se degrada com o tempo. Por isso é muito importante consumir azeite da safra mais recente possível. Os rótulos indicam validade de dois anos, mas ao longo do tempo ele vai perdendo o sabor. A segunda regra é: não compre um, compre dois azeites de variedades diferentes. Você só vai aprender a diferenciar azeites fazendo uma análise comparativa. A terceira regra tem a ver com o consumo: consuma em trinta dias, tampe bem após o uso e deixe longe da luz e do calor (tira essa garrafa de azeite do lado do fogão imediatamente, por favor!). Por isso a dica anterior: comprando garrafas menores você sempre terá azeite fresco e de boa qualidade. E na hora de finalizar seu prato, não precisa ser um fio, pode ser um rio de azeite!
Extra! Extra! Abobrinha aperitivo da minha tia
Não existe mais reunião, churrasco ou festa na minha família sem a abobrinha da minha tia Nilce. Que mão boa que ela tem pra antepastos e coisinhas desse tipo. Já até a incentivei a vender mas por ora segue sendo um privilégio dos Tezotos. É sempre sucesso, eu nunca me controlo quando ela faz e ainda por cima fica lindo! Tia Nilce aprendeu com uma outra tia, a Magda, que cozinha super bem também. Então, o nome “abobrinha aperitivo da minha tia” é uma homenagem às duas. Notem que nos ingredientes “azeite é à vontade”. Eu achei isso sensacional. Significa que vai bastante.
Ingredientes:
6 abobrinhas italianas pequenas
1 copo de vinagre
2 copos de água
1 colher (sobremesa) de sal
2 galhos de hortelã
6 castanhas do Pará (pode substituir por nozes)
2 dentes de alho amassados
½ xícara de azeitonas verdes picadas
Azeite à vontade
Modo de fazer:
Rale a abobrinha num ralo médio. O ideal é aquele mandolim que tem cortador e ralador, de plástico, basicão que todo mundo tem em casa. Coloque a abobrinha ralada de molho na água, vinagre e sal por 2 horas. Esprema a abobrinha com a mão.
Tempero: bata no processador as castanhas, as azeitonas, a hortelã e o alho. Misture na abobrinha e coloque azeite. Bastante azeite. Pra essa quantidade de ingredientes, minha tia coloca cerca de 1/3 da garrafa de 500ml. Deixe curtir na geladeira por um ou dois dias. Na hora de servir, tire um pouco antes da geladeira porque o azeite solidifica.
Essa receita rende um pote de cerca de 500 gramas, segundo minha tia que sempre faz essa medida triplicada porque é uma exagerada de nascença. Embora nunca tenha sobrado.
Looping do momento
Eu fico hipnotizada vendo alguns perfis de comida italiana no Instagram. As receitas são muito fotogênicas e não raro esses perfis mostram ideias fáceis e até baratas de se fazer.
Esse que divido aqui, em especial, toma alguma parte do meu tempo com os seus reels apetitosos. Numa newsletter eclética, achei que essa receita que eu escolhi cairia muito bem. Porque ao contrário de siri com Toddy, queijo e cebola combinam lindamente. Frito então… vixe!
Cebola empanada recheada com queijo do @al.ta.cucina
Foi Assim...
Um belo dia minha mãe inventou essa receita, gratinando salmão com creme de queijo. Achei que ela tinha pirado mas na verdade ela criou um hit da minha casa. Tenho um primo que sonha com o tal prato, sempre pedia quando morou um tempo conosco. No auge da pandemia, sozinha em casa e cozinhando como louca pra me aproximar dos meus, fiz essa receita com um arroz à grega e nossinhora… que delícia. O Foi Assim está publicado no meu instagram. Acreditem em mim e façam.
Para ver a receita, clique aqui.