Newsletter | Perseverar #6
Só na bicicletinha
Ainda estamos em janeiro e, portanto, ainda é tempo de desejar feliz ano novo!
Pensando bem, sempre é tempo de se desejar coisas boas pra alguém e é o que desejo a todos vocês: um 2022 com muita saúde e novidades pra nos estimular a perseverar.
Eu amo as palavras e essa – perseverar – nem acho das mais sonoras mas é importante... pra tudo na vida. Sinônimo de persistir, ser constante, permanecer, continuar. O pai de uma amiga amada sempre falava que "a vida é como uma bicicletinha, se a gente parar de pedalar, ela cai". E é assim mesmo.
Tenho estado com preguiça de cozinhar. Há dois meses, o lugar que eu mais amo da casa tem me visto pouco. Motivos tenho vários. A gente sempre tem. Mas com meus atalhos, estou me virando, confesso que minimizando esforços. Quem nunca, não é mesmo? O fato é que a cozinha é lugar de movimento. Ela sempre nos chama de volta, nos coloca rotina, afinal, todo dia a gente come e os alimentos não se viram sozinhos, nem na airfryer. E de atalho em atalho, de repetição em repetição, com mais esforço ou menos, a cozinha é tão fascinante porque ela nos faz permanecer, continuar. Olha aí a bicicletinha.
Claro que paradas são essenciais pra ressignificar. Mas depois que você começa a cozinhar e a saber o que está comendo, elas viram respiros. A gente toma um fôlego e... continua.
Bem ou mal é o que estou fazendo agora, não só na cozinha mas na vida. Depois da minha cirurgia, o tempo de recuperação e do auê que sempre é o final de ano, estou em processo de retomada. Por isso, a nossa primeira conversa de 2022 por aqui demorou um pouquinho. Afinal, quando a gente para de correr, não adianta querer voltar para a maratona. O nosso corpo é inteligente, não deixa. Aceitemos.
Tomemos fôlego! Que em 2022 a gente cozinhe. Continue. Persevere.
5 perguntas para.... Paulo Shin
A primeira vez que comi no Komah, restaurante coreano do chef Paulo Shin em São Paulo, foi um baque. Lugar de poucas mesas, muita fila, serviço econômico e uma comida que parece que você conheceu o mundo todo naquelas garfadas. Voltei pra casa impactada e ingenuamente querendo reproduzir – olha eu – o seu kimchi bokumbap, um prato de arroz com uma omelete cremosa que me tirou dos eixos.
Na contramão do badalo, Paulo abriu o Komah em 2016 num pequeno galpão da Barra Funda, quando o bairro estava longe de ter atrativos gastronômicos. Mesmo assim, fez sucesso. Na nossa conversa, perguntei se ele se considera um perseverante, um teimoso ou um sortudo. Ele riu e disse: “O público aderiu bem a vinda para a Barra Funda e isso eu vejo como sorte. A perseverança está em enfrentar as dificuldades constantes da cozinha”. Paulo apostou na narrativa afetiva que seu paladar aprendeu desde a infância e no conhecimento técnico que adquiriu trabalhando em restaurantes de São Paulo e Nova York. Filho de coreanos que chegaram no Brasil na década de 70, Paulo quis traduzir a comida da sua casa para os brasileiros. Contando assim, parece fácil, até óbvio. Mas eu imagino o quanto de perseverança foi preciso nesse caminho.
1- No vídeo que está no site do seu restaurante e que conta a sua história, você diz que depois de trabalhar em restaurantes de SP e NY, você chegou a desistir da gastronomia por causa da carga horária e do salário. Hoje você é um dos chefs mais famosos de São Paulo. O que te fez voltar pra cozinha?
PS: Sinceramente foi um empurrão da minha família. A última vez que saí frustrado da cozinha eu estava trabalhando na empresa de calçados das minhas irmãs. O empurrão acabou na abertura do Komah e eu dou bastante crédito pra elas. Eu senti falta do ritmo da cozinha, que é viciante, e elas perceberam. A adrenalina de um serviço faz falta quando você para. A cozinha é uma relação de amor e ódio, sabe? E o mais engraçado é que eu me apaixonei pela cozinha justamente pelo que me fez sair: a intensidade, a entrega, o esforço físico e mental, a imersão que precisa para criar um prato. Todos os seus sentidos precisam estar atentos, a equipe na mesma sintonia. Toda essa intensidade é muito satisfatória e ao mesmo tempo desgastante. Hoje eu sei que esses hiatos que eu tive, os momentos em que deixei a cozinha, foram saudáveis e importantes pra saber que é isso que eu gosto, que eu sei fazer.
2- Hoje, com a sua trajetória, o que você acha que te faz continuar?
PS: Me pergunto isso ainda hoje. Eu acho que antes de tudo é a responsabilidade com o negócio. Comecei com 2 funcionários e hoje são 30. São 30 famílias que dependem do que o restaurante gera. Me sinto responsável por isso. Hoje nada ajuda, nem a economia nem o governo, mas eu tomo pra mim essa responsabilidade. Tudo o que eu tento fazer aqui é entregar algo a mais do que o mercado espera ou faz. Eu quero fazer diferente inclusive na gestão e não só no cardápio. Saber que as pessoas estão satisfeitas trabalhando aqui dentro faz toda diferença pra mim e pra continuar. Construir isso foi muito árduo. Na pandemia, precisei pensar como fazer para auxiliar esses funcionários financeiramente. Precisamos cortar pessoas mas dentro do todo foi uma coisa razoável. Hoje, esse trabalho me motiva mais do que ser um chef famoso. Se tem cliente dentro da casa eu consigo empregar pessoas e a cadeia se fecha, o resultado não é voltado só pra mim.
3- Certa vez você falou que a omelete que virou um dos seus maiores sucessos – e pela qual eu caí de paixão – você aprendeu na internet. Nessa tradução da comida coreana que você fez no Komah, o que te guiou nas apostas do que seria aceito pelos brasileiros? E o que precisou adaptar de um paladar pro outro?
PS: No final das contas, falando como chef, foi e é muito mais uma interpretação. Eu tenho minhas referências, minha memória de paladar, de sabores, texturas e técnicas e toda vez que eu tento criar um prato é isso que eu puxo na cabeça. Eu penso: como criar um prato de porco, que seja inusitado e que tenha um toque coreano? O que eu quero é entregar uma coisa diferente, saborosa e que tenha uma identidade coreana no sabor. A ideia de comer junto, de comer com a mão, o ardido com o doce, tudo isso eu trago na criação do prato. Quem ama pimenta acha que falta ardor na minha comida. Eu concordo. Mas não foi uma adaptação, foi uma preocupação com a harmonia do prato. Eu adoro pimenta mas eu sei que você perde muita coisa de sabor se o ardor fica na língua. Então no Komah eu acredito muito no equilibro. Não foi um caminho de fazer algo mais fácil pro brasileiro. É uma escolha.
4- Embora filho de coreanos, você foi criado em meio a brasileiros e numa entrevista você disse que a comida da sua casa, feita pela sua mãe, era o que mais te trazia pra cultura da sua origem. Qual é o sabor mais inesquecível da sua memória?
PS: Nossa, tem uma sopa chamada “Doengjang jiggae”. É uma sopa simples, você come como arroz. É um acompanhamento, se come com várias coisas, às vezes com peixe grelhado, com carne, várias coisas. Ela é feita com uma pasta de soja fermentada, um missô coreano mais intenso. Era muito presente na minha casa, é muito minha memória afetiva. Outra coisa também é a comida de quando a gente ficava doente. Minha mãe sempre fez sopa de alga que a gente chama de “Mieyeok-guk”. Interessante que nos aniversários também sempre teve essa sopa. Qualquer coreano pra quem você fizer essa pergunta vai responder os mesmos pratos. São comidas que remetem à casa mesmo.
5- Seja na cozinha profissional ou na da sua casa, você tem algum atalho? Aquele ingrediente ou produto que pula uma etapa na hora da preguiça?
PS: Na cozinha profissional a gente tem os macetes pra intensificar sabor. A pasta de alho é uma base neutra. Alho, óleo, faz-se uma emulsão e isso eleva o sabor. Assim como a glace de porco que traz muito sabor também. Em casa, é muito raro trabalhar. Opa, cozinhar (risos). Quando cozinho em casa é coisa super simples, coisa rápida, pra forrar o estômago mesmo. Sanduiche ou Miojo coreano. Fazer o que? É verdade (risos). Mas é sempre bom ter um caldo de frango no congelador, isso salva qualquer tipo de receita.
Para assistir ao vídeo super bem feito que eu mencionei na primeira pergunta e conhecer melhor o chef Paulo Shin, clique aqui.
Extra! Extra! Pão Multigrãos
Algumas receitas nos exigem uma perseverança a mais na cozinha, eu sei. Lembro-me de uma vez que resolvi fazer um nhoque de mandioquinha com creme de cogumelos para servir num jantar entre amigos. Na metade do processo eu queria parar, pensei nisso mil vezes. A mandioquinha grudava na minha mão sem pensar em sair, eu tacava farinha como uma doida, aquilo já tinha virado outra coisa e eu, sem experiência e paciência ainda para lidar com aquela receita, terminei fazendo uns nhoques gigantes e avisando aos comensais: “ estão gostando? Então aproveitem porque eu nunca mais farei de novo”. Que boba, nessa época eu ainda falava a palavra “nunca”. Hoje, não mais.
Outra receita que nos pede que persevere é pão. Os de fermentação natural, então... Padeiro merecia uma medalha só por existir. Recentemente abri diálogo com José Fernando, o levain que eu ganhei de uma amiga. Fiz pães com ele e ele ainda vive aqui, na minha geladeira. Mas na manga guardo uma receita-atalho de um pão multigrãos, feito com fermento biológico seco, que eu acho muito boa e já até presenteei pessoas com ele.
A receita não é minha. É da Juliana Gueiros , que é uma das pessoas mais fofas do instagram e que tem um perfil direcionado a ajudar quem quer se virar na cozinha no dia-a-dia. Ela mostra suas saladas, seus almoços, faz lives, vídeos super bem explicados e um belo dia, assistindo ao vídeo do pão multigrãos me achei capaz e fiz. É uma delícia de fazer e é um pão cheio de fibras. Em geral trago aqui sempre uma receita minha (ou da minha mãe rs) mas a Juliana, fofamente, me autorizou a dividir com vocês essa receita dela. Como eu faço muito, já é quase minha e espero que vire de vocês também. Por que receita boa é receita compartilhada.
Depois de ler tudo, recomendo que assista ao vídeo que ela fez ensinando, faz toda diferença.
Ingredientes:
200g farinha comum, 150g farinha integral, 30g gergelim, 40g linhaça, 40g aveia, 12g Sal, 5g fermento biológico seco, 300-370ml de água
Ps1: Eu coloco os grãos ou sementes que eu tenho, em geral aveia em flocos grandes, chia, semente de linhaça e semente de abóbora, que eu amo. Mas você pode colocar o que quiser de sementes ou até castanhas picadas.
Ps2: Eu coloco 10g de fermento biológico seco, ou seja, o saquinho todo. Uma vez perguntei pra Ju porque ela usa só metade e ela me explicou que achava que dava diferença no sabor. Na baguete eu achei também mas no multigrãos não e acho que um pouco mais de fermento ajuda porque a massa é mais pesada. De qualquer maneira, sugiro que você teste as duas maneiras e faça como preferir.
Ps3: A receita está em gramas porque para pão é importante. Uma balança ajuda demais na cozinha.
Modo de fazer:
1. Misture todos os ingredientes secos.
2. Junte a água aos poucos e mexa até incorporar.
3. Deixe descansar 15-30 minutos.
4. Faça as dobras (essa massa é mais rígida, menos elástica).
5. Descanse a massa mais 15-30 minutos.
6. Repita mais 2 vezes esse processo, ao todo 3 dobras e descansos.
7. Depois deixe o pão dobrar de tamanho pode demorar 1-2 horas, depende muito da temperatura do ambiente.
8. Quando tiver dobrado de tamanho faça o molde (veja o vídeo).
Instruções de assar: panela de ferro
1. Pre-aqueça o forno a 250c com a panela de ferro dentro.
2. Tire a panela e coloque o pão moldado dentro da panela.
3. Faça o corte, tampe a panela e leve ao forno.
4. Após 15-20 minutos retire a panela do forno e tire a tampa.
5. Volte ao forno por mais 15-20 minutos para terminar de cozinhar e dourar.
6. Retire da panela e deixe esfriar com circulação de ar embaixo antes de cortar.
Instruções de assar: tabuleiro
1. Pre-aqueça o forno a 220c com um tabuleiro dentro. (eu pré-aqueço o forno por uns 45 minutos a uma hora, pra ele ficar bem forte, com a forma dentro)
2. Tire o tabuleiro do forno, coloque o pão moldado.
3. Faça o corte e leve ao forno ou coberto com papel alumínio ou com um tabuleiro com água fervendo embaixo.
4. Deixe o pão coberto ou com o tabuleiro de água por 20 minutos.
5. Retire o papel alumínio ou o tabuleiro com água e asse mais uns 30 minutos ou até que esteja cozido e dourado,
6. Deixe esfriar com circulação de ar em volta antes de cortar.
Foi Assim... Torta camponesa de pêra
Existe uma receita que persevera em meu coração que além de tudo é da minha musa maior da cozinha, Marcella Hazan: a torta camponesa de pêras. Com esse nome, dá pra resistir? Eu faço tanto que falo “vou fazer aquela minha torta de pêra”. Marcella autorizou. A torta é deliciosa, perfumada e o único trabalho que você terá é cortar as pêras. Vai muita fruta e pouca massa. Eu já servi como sobremesa com calda de doce de leite e raspas de limão, com chantily azedinho e com creme de mascarpone. Não sei dizer qual versão é a melhor. Faço também para comer com cafezinho... adoro essa torta em temperatura ambiente ou morninha logo depois de sair do forno. Faz e me conta qual é a sua versão preferida.
A receita está no meu Instagram e para ver, clique aqui.
Looping do momento
Qualquer reels que tenha gente mexendo em massa de pão de fermentação natural eu paro pra ver. Eu acho que eles sempre fazem parecer mais fácil do que é. E me encorajo. O perfil dessa menina, @marygracebread, é uma delícia. Lendo sobre ela, soube que é autodidata, começou a fazer pães de fermentação natural durante o lockdown na Austrália e que, além de fazer pães, é professora de línguas. Inclusive ela compara o processo de aprendizado de uma língua ao de fazer pão: muitas novas palavras que fazem o processo todo parecer muito difícil quando na verdade se você entender o contexto simples de cada uma, tudo fica mais fácil.
Nesse vídeo que eu compartilho aqui, ela mostra como faz um formato muito lindo de pão de forma, quando fica dois montinhos, sabe? É tão óbvio mas eu confesso - quase com vergonha - que não imaginava e adorei.
Para ver, clique aqui.