Newsletter | Ninguém quer saber #11
Um texto louco para acompanhar o ritmo de hoje em dia; um convite para você me ver na Bienal do Livro SP; na cozinha a gente nunca está só; o arroz com ovo do Alex Atala; uma carne de panela.
Vira e mexe lembro de uma expressão que o Leo Jaime falava muito no Twitter: “súbito desinteresse”, antes de dar uma sumida. Vira e mexe sinto isso. Parece que as palavras não saem da minha boca, parece que não tenho assunto, parece que a gente quer sumir. Mesmo quando a cabeça é praticamente um cassino lotado daquelas máquinas onde rodam figuras que precisam parar todas iguais pra gente ganhar alguma coisa. É pêra, maçã, morango, melancia, limão…. depois limão, morango, pêra, melancia e maçã. Roda de novo, a ordem muda, as imagens não. São os assuntos, que mudam toda hora na prioridade da gente. Quando é que as imagens vão parar todas iguais pra gente saber do que falamos primeiro? Enquanto isso não acontece, o melhor é esperar. Não é falta de assunto, é um tempo pra se escutar.
A edição dessa newsletter chega diferente, então pega um café e senta aqui pra gente conversar umas aleatoriedades. Eu não consegui ordenar os assuntos, os muitos que quero dividir com quem me assina. Quem nunca? Tem chegado gente nova a cada dia por aqui, eu sou toda alegria por isso. Todo dia acordo pensando “com quem faço o 5 perguntas para….?”. É tanta gente com quem quero conversar…. Enquanto escrevo essas linhas aqui, lembro da cena de abertura da peça da Denise Fraga, “Eu de Você”. Quem já viu? Ela descreve como a rotina nos engole no dia a dia e mistura os nossos sentimentos, as nossas prioridades. Não é verdade?
Corta para o vídeo da Camila Frender que viralizou, ela tirando um sarro daquelas pessoas que fazem suspense sobre o que vão fazer, pra onde vão viajar, o que vão lançar. “Será que a gente quer mesmo saber?”. Hahahaha. Claro que não. E eu não paro de pensar que só vale escrever algo se for pra alguém querer ler. Depois de lançar a minha newsletter passada, onde usei o meu botox como gancho pra chegar num questionamento sobre a cozinha, uma amiga me mandou: “adorei a news, só não sei se todo mundo que te assina quer saber sobre assuntos femininos como botox. Será que não era melhor falar só sobre comida?”. Hahaha. Ela foi fofa, fez a Camila Frender, por mais que eu tenha tentado explicar que meus primeiros textos serão sempre uma crônica, que pode ou não acabar em comida. Ou seja, eu não aprendi nada com isso, estou aqui escrevendo sobre o que se passa na minha cabeça. Teimosia ou intuição? Acontece isso com vocês? Ou só com os taurinos e aquarianos?
Entro no Instagram. Parece que o algoritmo está percebendo tudo isso, essa confusão na minha cabeça…. Só me mostra receitas duvidosas, aqueles purês feitos de Pringles, bombom de biscoito doce derretido com água e manteiga, “risoto” de frango que põe tudo cru e joga no forno. Não é possível que esse vídeo tenha 123.649 curtidas! Polenta de Fandangos… Quem apoia um troço desses? Porque quem não gosta de cozinhar tá ensinando receita, meu Deus do céu? Quem quer saber dessas “dicas”? Súbito desinteresse.
Eu falei que essa edição estava diferente. Não vai ter receita, vou ficar devendo o “5 perguntas para”, mas tem coisa… Ih, acabou meu café aqui e aí? O papo tá bom, vamos pra cozinha.
Na cozinha, a gente nunca está sozinho
Começo a escrever esse texto agora, uma sexta-feira à noite, sentada numa cadeira de palha que tem no quarto do hotel onde estou, participando de um retiro. Faço parte de um grupo de pessoas que estão em busca de liberar o que tem de melhor dentro de si com a mais pura verdade que elas podem encontrar naquele lugar meio apagado pelas nossas crenças limitantes. Bom, não vou me estender aqui em mais um assunto doido. Mas dividi essa particularidade para dizer que em dado momento hoje, numa vivência de subir para falar num palco, percebi que aquele lugar tão desconfortável pra mim pode ser da mesma forma incômoda como é a cozinha para outros. Eis que o mentor do retiro fala “o palco é um lugar possível para todo mundo”. Na hora pensei na cozinha. E nas muitas travas, assim como eu no palco, que muita gente tem com esse lugar tão potente que é o cômodo mais importante da casa. É nele que a gente alimenta corpo e alma. É nele onde se dão as principais conversas da família. É ali, na cozinha, que a gente escolhe ou resgata quem quer ser.
Mas mesmo que você se veja solitário ali, na cozinha a gente nunca está sozinho. Essa é a certeza que eu queria te passar hoje, enquanto você me empresta alguns minutos do seu precioso tempo lendo essa newsletter (aliás, se você chegou até aqui, obrigada!). Quando a gente entra na cozinha, seja ela um lugar confortável ou não para você, ela se torna ainda mais potente se levar consigo todo mundo que pode ser companhia para você. Seja Gabriel Garcia Marques quando relata “Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados”, em O Amor nos tempos do Cólera. Seja Jorge Amado quando descreve a moqueca que Tieta fez ao voltar para Santana do Agreste. Seja Nina Horta que numa crônica dá a dica de como levar mais gente pra cozinha ajuda: "Ler receita é o de menos. Se você ler um livro de arte, na hora de preparar um prato, sem querer, lá no fundo, tem um Van Gogh, um Matisse dando uma mãozinha."
Não só os restaurantes que a gente frequenta, as comidas que a nossa avó fazia ou as memórias com sabor de afeto criadas pela sua mãe, mas séries, filmes e livros também viram referência e inspiração na hora de cozinhar. Quem é que não viu a série “Nada”, no Disney +, e não teve vontade de correr na cozinha fazer um bife a milanesa? Procure uma receita no site da Rita Lobo, ligue pra sua mãe e pergunte como faz, olhe o que você tem na despensa e tente. Todos os impulsos valem. Ocupe esse lugar.
Minha companhia do momento e a Bienal do Livro
Fui convidada para participar do espaço “Cozinhando com Palavras”, da Bienal do Livro de SP esse ano! Vocês acreditam? Eu fiquei super feliz. Vai ser no dia 07 de setembro, às 10h. Quem for lá me ver vai ganhar um beijo. Mas por conta desse convite, mergulhei nos textos de uma autora que até então não conhecia e simplesmente me apaixonei: Ruth Guimarães. Ruth nasceu em Cachoeira Paulista e é uma das principais autoras brasileiras negras desde que publicou o livro “Água Funda” em 1946. Cronista, ela tem relatos deliciosos que detalham a vida na roça, a cultura caipira e a cozinha afetiva. Sobre ela, seus contos e todo esse contorno da sua obra no que tange a culinária e a cozinha como lugar de memória e de empoderamento da mulher é que vou falar com a jornalista Mariana Bastos, da Primavera Editorial. Deixo aqui não só o convite para você ir me encontrar na Bienal, como também esse trecho gostoso de “Culinária de Antanho”, que está no livro Marinheira do Mundo.
“Qual era o cômodo mais alegre da casa? Feio, isto sim. Chão batido de terra preta. Panelas escuronas, cabos avultando para o lado de baixo e de fora da prateleira, colocadas de borco, umas por cima das outras. Mesa enorme, velha e encardida, áspera, com grandes tábuas de fora a fora, tudo lavado e esfregado com sabão de cinza e soda cáustica. Quem olhasse pra cima veria o teto de telha de bica, o madeirame de pau roliço, negrejando de picumã. Branco era o fogão de taipa, barreado de tabatinga colhida nas beiradas do córrego.
Na hora do almoço, feijão pula-pulava no caldeirão craquento. Nas chuvas, o milho verde perfumava a casa inteira, cozinhando na panela grande. E que se cuidassem as galinhas se alguém da casa adoecia, porque canja é santo remédio pra revigorar enfermos.
Ah! O cômodo mais alegre, mais claro, mais quente, mais barulhento era a cozinha, a cozinha de antanho, onde se praticava a mais deliciosa culinária da minha terra.”
Um arroz com ovo
Essa semana, fui conhecer o novo menu degustação do Restaurante D.O.M. do chef Alex Atala. Sim, recentemente estive lá e agora voltei. O menu mudou para comemorar os 25 anos de história desse lugar que virou um ícone de São Paulo. O menu tem como inspiração Ariano Suassuna mas é, na verdade, um passeio pelas memórias sensoriais do nordestino. Tem prato que exalta os ingredientes regionais e tem pratos que lembra como a escassez moldou o jeito de comer de um povo. Está uma coisa linda, emocionante mesmo. Alex não só divide com a sua equipe a criação do menu como partilha com eles os louros dessa bodas de prata.
Um prato, no entanto, ganhou minha atenção de forma diferente. Era um arroz com ovo. Nele, Alex pega todo brasileiro pelo pé. Os nordestinos, já que o arroz é o vermelho paraibano do vale do Piancó, feito com um molho cremoso de queijo. Mas também a mim , que em nada de vivência tenho com essa região mas que tenho nos meus registros um arroz com ovo pra chamar de meu. Quem não tem? A gema é de uma textura que deveria já ganhar o nome de “ponto Atala” pois só vi lá. E o prato ainda vem coroado de uma clara fritinha, como aquele ovo frito perfeito que a minha mãe faz em casa, e cebola frita. É de comer com cuidado pra não gemer alto demais.
Fico pensando em quantas inspirações , companhias, memórias e registros Alex usou para chegar nessa versão tão festiva de um prato tão simples.
Pra não dizer que não teve comida…
Deixo aqui o link de um vídeo que eu fiz de uma carne de panela, receita sem receita como eu gosto, pra ver se o cheirinho chega até aí e você faz a sua versão.
Esse vídeo fez um sucesso… até hater eu consegui com ele. Um cidadão no Twitter comentou: “o que essa carne ficou dura não está escrito”. Achei curioso porque não me lembro de ter convidado um estranho pra jantar. E claro, a carne não ficou dura. ;-)
Clique aqui para ver o vídeo da carne de panela.
Prometo voltar com a programação normal na próxima, tá bom? Obrigada!
a OUSADIA de comentarem a dureza da carne. Uma delícia de ler, como sempre! Continue escrevendo que a gente continua se deleitando! <3